Por: André | 01 Dezembro 2014
O prefeito de San Salvador provocou grande alvoroço com seu anúncio de que uma rua histórica da capital salvadorenha receberá o nome de Roberto D’Aubuisson, que se acredita ter organizado esquadrões da morte durante a guerra civil de El Salvador (1980-1992). O prefeito NormanQuijano insiste em que sua decisão não deve ser interpretada como um desprezo a Romero – cuja beatificação está sendo aguardada para o próximo ano – e que se baseia nos méritos de D’Aubuisson como presidente da constituinte que redigiu a Constituição de El Salvador e como fundador do Partido ARENA, que governou El Salvador depois da guerra.
Fonte: http://bit.ly/1B3m9S3 |
A reportagem está publicada no sítio italiano Polycarpi.blogspot, 29-11-2014. A tradução é de André Langer.
O Procurador de Direitos Humanos, David Morales, anunciou que vai interpor um recurso legal contra a ação por considerar que fragiliza o direito à verdade e porque descumpre as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso de Monsenhor Romero. Morales disse que seu escritório recebeu reclamos sobre a decisão. [Por maior transparência, o blog Súper Martyrio escreveu ao Procurador sobre o tema.]
O momento do anúncio de Quijano – somente alguns dias depois que os salvadorenhos marcaram o sombrio 25º aniversário do assassinato de seis jesuítas na universidade católica de El Salvador e alguns meses antes do 35º aniversário do assassinato de Romero – chamou a atenção e as objeções de ativistas que insistem em que não é apropriado levantar monumentos para um criminoso de guerra. O argumento do prefeito Quijano de que D’Aubuisson nunca foi condenado pelos crimes que lhe são atribuídos soam como vazios aos manifestantes que assinalam que D’Aubuisson e seus aliados obstruíram todos os esforços para processar ou investigar aquelas atrocidades.
Adivinhar os motivos da decisão de Quijano requer um curso intensivo na política salvadorenha. Em primeiro lugar, Quijano tem algo de Ícaro na política salvadorenha, tendo ascendido em um resplendor de glória como o homem de ação, prefeito sem tabus de San Salvador, e depois ser derrotado nas eleições para presidente do país. Não muito depois desse fracasso, Quijano foi preterido pela ARENA para o que deveria ter sido uma tentativa pela reeleição à prefeitura inquestionável. Quijano viu-se obrigado a ceder a candidatura a outro candidato na chapa eleitoral no começo do próximo ano. Portanto, essa decisão tem sabor de golpe de despedida, já que Quijano a tomou silenciosamente em seu conselho municipal – nas eleições salvadorenhas, os eleitores elegem os seus governantes municipais pela bandeira partidária e, por conseguinte, o prefeito e o conselho são sempre do mesmo partido.
D’Aubuisson foi um oficial da notória Guarda Nacional salvadorenha, uma polícia militar interna, e agente de inteligência considerado quase exclusivamente responsável pela criação do aparato de inteligência interna do país, inclusive como diretor da Agência Nacional de Segurança Salvadorenha (ANSESAL). No final da década de 1970 e princípio dos anos 80, D’Aubuisson foi vinculado ao financiamento e organização de esquadrões da morte paramilitares que evadiram supervisão civil.
Em 1993, uma Comissão da Verdade da ONU concluiu que, “ao mesmo tempo que aprofundava o conflito social em El Salvador... D’Aubuisson colocou-se em posição privilegiada para poder vincular, por seu intermédio, um setor muito agressivo da sociedade salvadorenha com a rede de inteligência e operações da S-II das forças de segurança”. A Comissão chegou à conclusão de que D’Aubuisson buscou ativamente eliminar a oposição ao regime através do “uso ilegal da força”. Antes que a Comissão tomasse essa decisão, D’Aubuisson teve o visto negado para entrar nos Estados Unidos pela Administração Reagan sob a disposição anterior da lei de imigração que declarava motivo de inadmissibilidade nos Estados Unidos o apoio a execuções extrajudiciais por motivos políticos.
A Comissão da Verdade da ONU também concluiu especificamente que, “partiu do ex-major Roberto D’Aubuisson a ordem para assassinar o arcebispo e deu instruções precisas a membros do seu grupo de segurança, agindo como ‘esquadrão da morte’ para organizar e supervisionar a execução do assassinato” de monsenhor Romero. A relação com o assassinato de Romero foi confirmada por uma comissão dos direitos humanos da OEA, uma sentença civil de um tribunal dos Estados Unidos e numerosas investigações jornalísticas e acadêmicas.
Em Antiguo Cuscatlán, onde a prefeita é uma militante incondicional da ARENA, uma arena leva o nome de D’Aubuisson e mastros com as bandeiras tricolor do partido e do país. Cada ano, os membros mais leais do partido, entre eles vários ex-presidentes, visitam o mausoléu de D’Aubuisson para comemorar o aniversário de sua morte, em uma cerimônia privada. Em 2007, a ARENA tentou aprovar um decreto legislativo concedendo a D’Aubuisson o reconhecimento de “Filho Meritíssimo” da Nação. Esse esforço foi impedido pela legendária ativista dos direitos humanos María Julia Hernández, discípula de Romero.
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El Salvador: uma homenagem ao assassino de Romero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU